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Problemática de Animais na UFU

Da Problemática Relativa ao Fornecimento de Alimento aos Animais Errantes

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por Mtereza.Nunes
Publicado: 01/03/2018 - 09:07
Última modificação: 01/03/2018 - 09:53

Profa. Dra. Sofia Borin Crivellenti
Clínica Médica de Pequenos Animais do HV-UFU
FAMEV/UFU


           A convivência entre o ser humano e a espécie canina existe há muitos anos. Essa convivência trouxe inúmeros benefícios ao homem, pois esses animais podem proporcionar companhia, contribuição em atividades como proteção do território e caça, além de auxiliarem deficientes físicos e também por participarem em terapias assistidas por animais. No entanto, apesar dessa convivência desejável, a procriação descontrolada, abandono, hábitos inadequados de criação e a deterioração da qualidade de vida em certas comunidades humanas são fatores que influenciaram ao aparecimento de cães errantes (INSTITUTO PASTEUR, 2000). Cães errantes são aqueles que não estão sob o controle direto de uma pessoa ou cães que não são impedidos de andar livremente (OIE, 2009).


           As populações de cães errantes ainda são um problema nos países em desenvolvimento e desenvolvidos, causando muitos problemas, tais como agressões a seres humanos e transmissão de zoonoses (RINZIN et al., 2008). O mesmo certamente ocorre no Brasil, embora seja incomum que os cães vadios sejam citados na mídia brasileira como um problema de saúde pública. Desde 2008, o serviço público de controle de animais foi proibido de promover a eutanásia de animais errantes capturados, e a exemplo do que ocorreu no Estado de São Paulo, no primeiro ano de proibição, os abrigos de animais públicos atingiram sua capacidade máxima (GALETTI e SAZIMA, 2006; TORRES e PRADO, 2010).


           Diminuir população de animais errantes tornou-se preocupação para os órgãos públicos e, desse modo, programas de controle populacional passaram a fazer parte das medidas de saúde pública. A redução da população canina através da esterilização é eficiente, mas não mostra resultados significativos em curtos períodos de tempo. Além disso, a redução das taxas de abandono e a promoção da posse responsável contribuem para o controle populacional (AMAKU; DIAS; FERREIRA, 2009).


           Diferentemente do que se divulga massivamente na mídia, existem muitos outros fatores além dos citados anteriormente que influenciam a distribuição dos cães errantes. A presença de abrigo é bastante desejável para a proteção, sobrevivência e reprodução destes animais. Porém, hábitos como a criação de animais semi-domiciliados e proprietários e tutores que conscientemente permitem a fuga/passeios não supervisionados de seus animais também influenciam nessa distribuição (BECK, 1973).


           A disponibilidade de lixo também é uma preocupação pois proporciona fonte de alimentação para os cães errantes (BECK, 1973). Entretanto, pesquisa recente demonstrou uma fonte constante de alimentação por parte da população, pode ser uma das razões principais da permanência dos animais nas ruas, tendo em vista que a densidade dos cães nos pontos de venda de alimentos, restaurantes e centros universitário foi maior que a densidade de cães na mesma distância de lixos. A provável fonte de alimentação de escolha desses animais são os restos de comida oferecidos pelas pessoas e voluntários - o que destaca o papel dessa fonte de alimento na permanência dos animais nas ruas e a importância de ações que desencorajem as pessoas a providenciar restos de alimentos para os animais errantes (DIAS et al., 2016).


           Vale ressaltar que voluntários que trazem os alimentos, creem que sem essa intervenção os animais podem morrer de fome, adoecer ou competir por alimentos encontrados. Este comportamento parece estar reforçado na crença de que alimentar os animais de estimação é uma forma de dar afeto e uma maneira de dar tratamento especial ao animal (CASE et al., 2011). Entretanto, na maior parte das vezes, os alimentos provenientes de sobras e restos da alimentação humana são armazenados e oferecidos a estes animais de maneira inapropriada.


          Estudos realizados por ARELLANO (2013) com uma população de cães errantes na cidade de São Paulo, demonstraram de modo geral que estes alimentos ofertados aos cães apresentaram características microbiológicas insatisfatórias, se analisadas sob a perspectiva de que os animais têm direito a uma alimentação segura (utilizando-se os padrões microbiológicos da legislação para alimentação humana).


           Os mesmos autores, ao finalizarem as análises desses alimentos ofertados, verificaram na literatura que os agentes pesquisados e encontrados nos alimentos têm potencial para causar enfermidades nesses animais (SCHROEDER; VAN RENSBURG, 1993; BEUTIN, 1999; ERWIN et al., 2004; WEESE; ROUSSEAU; ARROYO, 2005; FINLEY). Na situação observada pelos autores, é difícil estimar o risco que esses alimentos trazem a esses animais, mas nessas condições, nas quais os alimentos ficam a disposição a temperatura ambiente por horas até o consumo esporádico pelos animais, há o favorecimento da multiplicação dos agentes encontrados (JAY, 2009).


           Ademais do ponto de vista nutricional, restos de alimentação humana não oferecem os nutrientes de forma equilibrada para um cão ou gato. Se animais forem alimentados com restos de alimentação humana, essas sobras não devem ultrapassar de 5 a 10% da ingestão calórica diária, pois altas proporções desses alimentos podem causar danos à saúde dos animais (CASE et al., 2011) e do ponto de vista de saúde animal, podem ainda transmitir patógenos. Esse aspecto embora pouco estudado, não deve ser considerado irrelevante.


           Finalmente, vale ressaltar que os resíduos alimentícios de qualquer origem destinados ao consumo de animais errantes, depositados nas vias públicas, terrenos baldios, praças, e inclusive em centros educacionais, redondezas de hospitais e de restaurantes e bares, configuram-se fontes de alimentação também para roedores, insetos e aves potencialmente transmissores de zoonoses (doenças compartilhadas entre os animais e os seres humanos) potencializando os riscos à saúde pública e dos próprios animais que ali convivem.